sexta-feira, 16 de julho de 2010

O TRANSEXUAL E O DIREITO.

Escrevo esse Blog , exclusivamente para debater sobre o tema TRANSEXUALISMO, dentro do Direito Brasileiro.

Confesso que, como a grande maioria das pessoas, eu não tinha conhecimento algum sobre o tema. Na minha concepção ignorante, transexual, homosexual, travesti, era tudo a mesma coisa. Contudo, após chegar até nosso escritório de Advocacia, uma cliente necessitando de uma ação de REDESIGANAÇÃO DE ESTADO SEXUAL E RETIFICAÇÃO DE ASSENTAMENTO CIVIL, fui necessariamente obrigada a estudar profundamente sobre o tema, e mergulhei nos ensinamentos doutrinarios, jurisprudenciais e da medicina, para entender sobre a ação. Enriqueci meu conhecimento, como em todo tema que estudo.

Assim, resolvi dividir com meus colegas, mais esse conhecimento. Colocarei aqui, em sítese, o significado de TRANSEXUALISMO.

Assim que eu concluir a petição inicial, disponibilizarei também aqui.

Muitos estão me pedindo cópia da petição pelo msn e pelo e-mail. Peço que tenham um pouco de paciência, porque, precisei primeiro estudar muito sobre o tema, para depois passar para o papel o pedido judicial, afinal de contas, estou contando ao juiz tudo sobre o tema e adequando as leis brasileiras, para que de o direito ao nosso cliente.

Agradeço a participação de todos, que aqui postarem seus comentários, com respeito as pessoas TRANSEXUAIS, lembrando que, cada um responde juridicamente pelos seus atos.

"Por TRANSEXUALISMO, entende-se a condição clínica em que se encontra um indivíduo biologicamente normal (...) que, segundo sua história pessoal e clínica, e segundo o exame psiquiátrico, apresenta sexo psicológico incompatível com a natureza do sexo somático." (Direito à vida e ao próprio corpo.Ed. Revista dos Tribunais, 1.994, p. 141)

Aracy Augusta Leme Klabin, é outra doutrinadora que define o TRANSEXUAL dessa forma:

"É um individuo, anatomicamente de um sexo, que acredita firmemente pertencer ao outro sexo."(TRANSEXUALISMO, in Revista de Direito Civil, vol. 17, p. 27)

Existe uma distinção entre o transexual primário do secundário.

"O primário compreende aqueles pacientes cujo problema de transformação do sexo é precoce, impulsivo, insistente e imperativo, sem ter desvio significativo, tanto para o transvestismo quanto para o homossexualismo. É chamado, também de esquizossexualismo ou metamorfose sexual paranóica.
O secundário (homossexuais transexuais) compreende aqueles pacientes que gravitam pelo transexualismo somente para manter períodos de atividades homossexuais ou de transvestismo (são primeiro homossexuais ou travestis).
O impulso sexual é flutuante e temporário, motivo pelo qual podemos dividir o transexualismo secundário em transexualismo do homossexual e do travesti" (Aracy Klabin, "Aspectos jurídicos do transexualismo",
in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vol. 90, 1995, pág. 197).

Assim, conclui-se que, no transexual secundário, o transexualismo é o meio para a atividade homossexual ou de transvestismo, ao passo que no transexual primário, o transexualismo é o próprio fim.

Pela psiquiatria e psicologia, ao observar essa distinção entre o sexo somático e sexo psicológico, poderia se motivo de indicação de terapia como tratamento para ajustar este último ao primeiro. No entanto, destaca Matilde Josefina Sutter ser "inócua qualquer tentativa no sentido de reconduzir psicologicamente o transexual ao seu sexo anatômico, uma vez que todas as técnicas psicoterápicas se mostram absolutamente ineficazes, nesse sentido, possivelmente devido à falta de cooperação do paciente, que rejeita o tratamento". E prossegue: "Afirmamos em outra ocasião, que nenhum argumento é capaz de demovê-lo, pois o ‘transexual, em geral, na prática, não admite discutir essa situação, só o fazendo com vistas à mudança de sexo. Esta lhe é tão necessária que absorve todo o seu interesse, de modo a impedir o seu desenvolvimento pessoal’. O transexual se ofende e se revolta quando lhe indicam tratamento psicoterápico" ("Determinação e mudança de sexo – aspectos médico-legais", ed. Revista dos Tribunais, 1993, pág. 115).

Resumindo, TRANSEXUAL, é o indivíduo que nasce e se desenvolve com o corpo masculino, com seus genitais normais, mas que, psicologicamente pensa e age como um individuo do sexo feminino. Essa pessoa não tem culpa de ter nascido com tais caracteristicas fisicas, destoantes de sua caracteristica psicologica.

ASPECTOS CLINICOS

O indivíduo assume totalmente o seu estado sexual feminino. A Organização Mundial da Saude, já definiu como patologia, com CID 10 - F.64.0, autorizando inclusive que a pessoa seja submetida à cirurgia de transgenitalização, ou seja, retirada dos órgãos sexuais masculinos e consecutivamente esculturação dos órgão sexuais femininos.

ASPECTO JURÍDICO

Quando se trata de nome, sexo, raça, cor, trata-se de direitos fundamentais, que está na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que indica como valor fundamental do Estado Democrático de Direito o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (CF/88, art. 1o, III), a liberdade e a igualdade sem distinção de qualquer natureza (CF/88, art. 5o) e a inviolabilidade da intimidade e da vida privada (CF/88, art. 5o, X).:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Tal valor, está acima de tudo, e que acompanha o homem até o seu falecimento, por ser da essência da natureza humana; a dignidade não aceita nenhum tipo de discriminação e não estará garantida se o indivíduo for humilhado, perseguido ou depreciado.

O Princípio da Dignidade Humana que verifica-se consagrado, implica em ponderar o homem como sendo o centro do universo jurídico, reconhecimento que abrange todos os seres humanos, de sorte que os efeitos difundidos pela ordem jurídica não se manifestarão, a princípio, de modo diverso em relação a duas pessoas, como no caso, ou seja, masculino e feminino.

O respeito a individualidade de cada indivíduo é ordenado juridicamente no art. 1o, III, e art. 3º inciso IV da Constituição de 1988, e arts. 4º e 5º da lei de Introdução ao Código Civil sendo o reconhecimento da dignidade da pessoa humana o elemento central do Estado de Direito, que garante as pessoas suas liberdades:
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O direito a redesignação de estado sexual e alteração de nome, também encontra respaldo com a fundamentação no parágrafo único do artigo 55 e art. 110 da Lei 6.015/73, in verbis:

Art. 55 (...)
Parágrafo único.Os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do Juiz competente.

Art. 110. Quem pretender que se restaure, supra ou retifique assentamento no Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas, que o Juiz o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo de cinco (5) dias, que correrá em cartório.

A Lei de Registros Públicos (6.015/73) ainda ressalta que o nome (direito esse personalíssimo) não pode levar a pessoa a constrangimento.

O Artigo 58 da Lei 6.015/73, aponta que o nome é definitivo, mas pode ser alterado para se adaptar ao indivíduo que o possui:

Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.

Parágrafo único. A substituição do prenome será ainda admitida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público.

Já na Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, afirmava-se que a dignidade é inerente todos os membros da família humana. E a Constituição em vigor inclui, entre os direitos individuais, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art. 5o, X). Reside aqui o fundamento legal autorizador da mudança do sexo jurídico, pois sem ela, ofendida estará a intimidade do autor, bem como sua honra. O constrangimento, a cada vez que se identifica, afastou o autor de atos absolutamente normais em qualquer indivíduo, pelo medo da chacota. A busca da felicidade, que é direito de qualquer ser humano, acabou comprometida.

O Superior Tribunal de Justiça, demonstrando grande avanço no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, como mostra no Acórdão anexado (DOC. 06), assim já decidiu:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRANSEXUAL SUBMETIDO A CIRURGIA DE REDESIGNAÇÃO SEXUAL. ALTERAÇÃO DO PRENOME E DESIGNATIVO DE SEXO. PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
- Sob a perspectiva dos princípios da Bioética – de beneficência, autonomia e justiça –, a dignidade da pessoa humana deve ser resguardada, em um âmbito de tolerância, para que a mitigação do sofrimento humano possa ser o sustentáculo de decisões judiciais, no sentido de salvaguardar o bem supremo e foco principal do Direito: o ser humano em sua integridade física, psicológica, socioambiental e ético-espiritual.
- A afirmação da identidade sexual, compreendida pela identidade humana, encerra a realização da dignidade, no que tange à possibilidade de expressar todos os atributos e características do gênero imanente a cada pessoa. Para o transexual, ter uma vida digna importa em ver reconhecida a sua identidade sexual, sob a ótica psicossocial, a refletir a verdade real por ele vivenciada e que se reflete na sociedade.
- A falta de fôlego do Direito em acompanhar o fato social exige, pois, a invocação dos princípios que funcionam como fontes de oxigenação do ordenamento jurídico, marcadamente a dignidade da pessoa humana – cláusula geral que permite a tutela integral e unitária da pessoa, na solução das questões de interesse existencial humano.
- Em última análise, afirmar a dignidade humana significa para cada um manifestar sua verdadeira identidade, o que inclui o reconhecimento da real identidade sexual, em respeito à pessoa humana como valor absoluto.
- Somos todos filhos agraciados da liberdade do ser, tendo em perspectiva a transformação estrutural por que passa a família, que hoje apresenta molde eudemonista, cujo alvo é a promoção de cada um de seus componentes, em especial da prole, com o insigne propósito instrumental de torná-los aptos de realizar os atributos de sua personalidade e afirmar a sua dignidade como pessoa humana.
- A situação fática experimentada pelo recorrente tem origem em idêntica problemática pela qual passam os transexuais em sua maioria: um ser humano aprisionado à anatomia de homem, com o sexo psicossocial feminino, que, após ser submetido à cirurgia de redesignação sexual, com a adequação dos genitais à imagem que tem de si e perante a sociedade, encontra obstáculos na vida civil, porque sua aparência morfológica não condiz com o registro de nascimento, quanto ao nome e designativo de sexo.
- Conservar o “sexo masculino” no assento de nascimento do recorrente, em favor da realidade biológica e em detrimento das realidades psicológica e social, bem como morfológica, pois a aparência do transexual redesignado, em tudo se assemelha ao sexo feminino, equivaleria a manter o recorrente em estado de anomalia, deixando de reconhecer seu direito de viver dignamente.
- Assim, tendo o recorrente se submetido à cirurgia de redesignação sexual, nos termos do acórdão recorrido, existindo, portanto, motivo apto a ensejar a alteração para a mudança de sexo no registro civil, e a fim de que os assentos sejam capazes de cumprir sua verdadeira função, qual seja, a de dar publicidade aos fatos relevantes da vida social do indivíduo, forçosa se mostra a admissibilidade da pretensão do recorrente, devendo ser alterado seu assento de nascimento a fim de que nele conste o sexo feminino, pelo qual é socialmente reconhecido.
- Vetar a alteração do prenome do transexual redesignado corresponderia a mantê-lo em uma insustentável posição de angústia, incerteza e conflitos, que inegavelmente atinge a dignidade da pessoa humana assegurada pela Constituição Federal. No caso, a possibilidade de uma vida digna para o recorrente depende da alteração solicitada. E, tendo em vista que o autor vem utilizando o prenome feminino constante da inicial, para se identificar, razoável a sua adoção no assento de nascimento, seguido do sobrenome familiar, conforme dispõe o art. 58 da Lei n.º 6.015/73.
- Deve, pois, ser facilitada a alteração do estado sexual, de quem já enfrentou tantas dificuldades ao longo da vida, vencendo-se a barreira do preconceito e da intolerância. O Direito não pode fechar os olhos para a realidade social estabelecida, notadamente no que concerne à identidade sexual, cuja realização afeta o mais íntimo aspecto da vida privada da pessoa. E a alteração do designativo de sexo, no registro civil, bem como do prenome do operado, é tão importante quanto a adequação cirúrgica, porquanto é desta um desdobramento, uma decorrência lógica que o Direito deve assegurar.
- Assegurar ao transexual o exercício pleno de sua verdadeira identidade sexual consolida, sobretudo, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, cuja tutela consiste em promover o desenvolvimento do ser humano sob todos os aspectos, garantindo que ele não seja desrespeitado tampouco violentado em sua integridade psicofísica. Poderá, dessa forma, o redesignado exercer, em amplitude, seus direitos civis, sem restrições de cunho discriminatório ou de intolerância, alçando sua autonomia privada em patamar de igualdade para com os demais integrantes da vida civil. A liberdade se refletirá na seara doméstica, profissional e social do recorrente, que terá, após longos anos de sofrimentos, constrangimentos, frustrações e dissabores, enfim, uma vida plena e digna.
- De posicionamentos herméticos, no sentido de não se tolerar “imperfeições” como a esterilidade ou uma genitália que não se conforma exatamente com os referenciais científicos, e, consequentemente, negar a pretensão do transexual de ter alterado o designativo de sexo e nome, subjaz o perigo de estímulo a uma nova prática de eugenia social, objeto de combate da Bioética, que deve ser igualmente combatida pelo Direito, não se olvidando os horrores provocados pelo holocausto no século passado.
Recurso especial provido.
A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. (STJ – Resp Nº 1.008.398 - SP (2007/0273360-5), Rel. Min. MINISTRA NANCY ANDRIGHI)


(continuarei escrevendo...)